O Brasil está debatendo um tema pioneiro e controverso: invenções criadas por inteligência artificial (IA) podem ser patenteadas? O Projeto de Lei nº 303/2024, apresentado pelo deputado Júnior Mano (PL-CE), busca alterar a Lei da Propriedade Industrial (LPI) para permitir o registro de patentes geradas autonomamente por IA.
A proposta coloca o país em um debate de ponta, mas também levanta questões sobre os impactos na proteção da criatividade humana, a titularidade das invenções e os desafios regulatórios em um cenário global ainda sem consenso.
Patentes Criadas por IA: A Proposta do PL 303/2024
O Projeto de Lei nº 303/2024, em tramitação no Congresso Nacional, foi elaborado para enfrentar as novas demandas trazidas pela inteligência artificial. Atualmente, a LPI limita a titularidade de patentes a pessoas físicas e jurídicas, o que impede que sistemas de IA sejam reconhecidos como inventores.
O deputado Leonardo Gadelha (PODE-PB), relator do projeto, apresentou parecer pela aprovação com alterações. A proposta sugere:
- Titularidade da Patente: Sempre atribuída a um autor humano, mesmo em casos de auxílio parcial, predominante ou autônomo por IA.
- Relatório descritivo: Obrigatório detalhamento do grau de contribuição da IA (auxílio ausente, parcial, predominante ou integral).
- Classificação de auxílio: O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) passaria a emitir parecer técnico classificando o papel da IA na criação.
- Prazo de vigência reduzido:
- Invenções com auxílio predominante de IA: 5 anos.
- Invenções criadas integralmente por IA: 3 anos.
Essas mudanças tentam “equilibrar” a inovação tecnológica com a proteção da propriedade intelectual, mas enfrentam críticas importantes.
Desafios e Críticas à Proposta
Apesar de seu caráter inovador, o PL 303/2024 tem gerado questionamentos substanciais:
1. A falta de personalidade jurídica da IA
Sistemas de IA não possuem personalidade jurídica, o que impossibilita sua nomeação como inventores. O parecer do deputado Gadelha enfatiza que reconhecer a autoria de uma IA pode enfraquecer a valorização da criatividade humana, desviando recursos de investimentos em habilidades criativas.
2. Ambiguidade na titularidade
A proposta atribui a titularidade ao “autor humano”, mas não esclarece quem seria esse autor em invenções geradas de forma integralmente autônoma. Desenvolvedores, operadores ou financiadores da IA podem reivindicar direitos, gerando disputas legais.
3. Critérios de inventividade e originalidade
Atualmente, a análise de patentes considera a contribuição humana. No caso de invenções criadas por IA, seria necessário redefinir o conceito de “técnico no assunto” e avaliar se um sistema pode produzir algo realmente inventivo.
Impactos Globais e a Necessidade de Uniformidade
Em um contexto internacional, permitir patentes para invenções criadas por IA sem consenso global pode gerar insegurança jurídica. A falta de uniformidade dificulta o reconhecimento mútuo de patentes entre países, o que pode prejudicar empresas que atuam no mercado global.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o United States Patent and Trademark Office (USPTO) já definiu que apenas pessoas humanas podem ser inventoras. Esse posicionamento foi reforçado em 2024 com o Inventorship Guidance for AI-Assisted Inventions, que limita o conceito de autoria a contribuições humanas.
Prazo reduzido de patentes: uma controvérsia
O PL 303/2024 propõe reduzir o prazo de proteção para invenções geradas por IA. Essa abordagem enfrenta dois grandes problemas:
- Conflito com Acordos Internacionais: o Acordo TRIPS (Tratado de Propriedade Intelectual) estabelece um prazo mínimo de 20 anos para patentes, o que tornaria os prazos reduzidos incompatíveis com as obrigações internacionais do Brasil.
- Conceitos abertos: classificar uma invenção como “auxílio parcial” ou “predominante” pode ser subjetivo, criando espaço para disputas sobre o prazo de vigência.
Empresas e propriedade intelectual: o que fazer?
Para empresários e empresas que utilizam IA no desenvolvimento de produtos, o debate sobre patentes é mais do que uma questão teórica. É essencial estar atento aos desdobramentos do PL 303/2024 e buscar proteger seus direitos intelectuais de maneira eficaz. Algumas estratégias incluem:
- Documentação completa: detalhe o papel da IA no processo criativo para evitar disputas sobre autoria e titularidade.
- Consultoria jurídica: trabalhe com advogados especializados para entender como as mudanças podem impactar sua propriedade intelectual.
- Monitoramento global: acompanhe decisões de jurisdições internacionais, como a União Europeia e os Estados Unidos, que podem influenciar as normas brasileiras.
O Projeto de Lei nº 303/2024 coloca o Brasil na vanguarda do debate sobre a propriedade intelectual em IA, mas ainda enfrenta desafios conceituais e jurídicos. A proposta precisa ser ajustada para oferecer maior clareza e evitar inseguranças jurídicas que possam desestimular a inovação.
Para empresários, é vital acompanhar de perto as discussões e adaptar estratégias para proteger suas criações no contexto da inteligência artificial.
O Brasil está dando um passo importante ao discutir o impacto da IA na propriedade intelectual, mas talvez seja mais prudente alinhar-se às tendências internacionais antes de implementar mudanças ríspidas.
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